65 anos da primeira zebra, americana e haitiana


Ele era um reles estudante haitiano, trabalhando como lavador de pratos em meio período num pequeno restaurante. Jogador de futebol nas horas vagas. E autor da primeira grande surpresa de uma Copa do Mundo: a eliminação precoce da Inglaterra no Mundial de 1950, no Brasil. Joe Gaetjens foi o herói improvável dos Estados Unidos naquele mágico 1 a 0, no estádio Independência, em Belo Horizonte, que completa 65 anos nesta segunda.
Os ingleses eram um dos grandes favoritos ao título, com nomes como Alf Ramsey, que seria campeão mundial 16 anos depois com o English Team, e Stanley Matthews, um dos maiores jogadores da Inglaterra de todos os tempos, e campeão da Copa da Inglaterra três anos mais tarde do fatídico Mundial de 50. Na primeira rodada, os europeus tiveram de bater o Chile e o calor do Rio de Janeiro. Conseguiram: 2 a 0.

O que poucos lembram é que a estreia dos EUA havia tido até bastantes pontos positivos. Chegaram a abrir 1 a 0 na Espanha, em Curitiba, e só começaram a perder o duelo a partir dos 30 minutos do segundo tempo, quando as pernas já não aguentavam. Os espanhóis fizeram 3 a 1.
Para o duelo na segunda rodada, a diferença nos discursos e atos era gritante. William Jeffrey, técnico dos EUA, chegou a afirmar que seu time não tinha chances. Arthur Drewry, da Inglaterra, poupou alguns de seus jogadores para o confronto decisivo contra a Espanha, na rodada final. Entre os poupados, o ótimo Stanley Matthews. Entre os que jogaram, destaque para Alf Ramsey, que seria campeão do mundo em 1966.
A bola rolou no Independência para cerca de dez mil torcedores em uma quinta-feira de sol. Rapidamente a diferença técnica se fez notar, e o goleiro Frank Borghi era muito exigido. Posteriormente, sugiram relatos até de uma displicência cômica dos ingleses, que chegavam cara a cara do goleiro, mas, ao invés de mandar a bola pro gol, seguiam tocando para tentar um gol mais plástico.

A punição pra isso veio aos 38 minutos: num raro ataque dos Yankees, após cobrança de lateral, Walter Bahr cruzou na área e Joe Gaetjens, livre, tocou para o gol ante uma incrédula defesa inglesa. O placar desmoralizava os europeus, que partiram com tudo pra cima, mas pararam na falta de pontaria, no nervosismo e, sobretudo, no goleiro Borghi - que fez apenas nove jogos pela seleção, mas o bastante para guardar seu nome na história.

Quando o jogo acabou, começaram os festejos americanos, carregados pelo público que esqueceu qualquer protocolo. E começaram os choros ingleses, que acusaram o adversário de ter atletas de várias naturalidades - como Gaetjens, que nascera no Haiti. A destacar ainda a repercussão do jogo. Na imprensa brasileira, a zebra foi encarada como tal: uma zebra, oras. Na imprensa inglesa, um jornal chegou a publicar que o placar havia sido 10 a 1 para seu país, acreditando em um erro na escrita do resultado. E, nos EUA, o resultado sequer foi noticiado. Tanto que Gaetjens virou um herói já depois de morto, quando se descobriu que fora dele o gol do triunfo.
No último jogo, os EUA novamente sofreram com a falta de preparo físico e, claro, com a menor qualidade técnica. Em meia hora de jogo contra o Chile, em Recife, já levavam 2 a 0. Porém, buscaram o empate em três minutos do segundo tempo. Foi o máximo. Três gols chilenos ainda fecharam o escore em 5 a 2. Gaetjens? Ah, sim. Ele jamais faria outro gol pelo time, mas se engana quem pensa que ele não tinha suas qualidades. Foi o artilheiro da liga americana com 18 gols, pelo Brookhattan, na temporada 1949/50.

Nos anos 70, a história conta que o jogador foi morto em Porto Príncipe pela polícia local, já que era sobrinho do rival do ditador do Haiti, François “Papa Doc” Duvalier.
Share on Google Plus

Comente com o Facebook: