A trajetória do futebol sub-23 da Micronésia nos Jogos do Pacífico acabou com um surreal saldo de 114 gols negativos em apenas três jogos. Motivo suficiente para qualquer humilhação, mas há muito mais envolvido ao redor desses garotos que, em sua maioria, jamais haviam sequer saído de suas aldeias. O técnico da equipe, o australiano Stan Foster, deu uma ótima e reveladora entrevista ao site ABC, de seu país, e nós vamos passar alguns trechos para vocês.
Para começar, dois atletas micronésios simplesmente perderam o ônibus de volta para a vila “olímpica” onde ficam as delegações, e tiveram de esperar meia hora sob os olhares do público após levaram 46 a 0 de Vanuatu. Somem-se a isso os incríveis placares sofridos pela seleção e a chacota mundial que o time virou. Nada disso tira a boa vontade de Foster em conversar, o que surpreendeu até mesmo o repórter do ABC, Richard Ewart.
Os dois jogadores “esquecidos” tinham pouco a comentar. “Eu não sei o que dizer”, afirmou um. “Um pouco devastado”, resumiu seu sentimento, e esse foi o fim da tentativa de entrevista. Esse é o lado humano que poucas pessoas veem: por trás da equipe que se mostrou totalmente sem condições de jogar competitivamente, há garotos que estão tentando dar o passo inicial não só à evolução, mas à própria cultura do futebol nos Estados Federados da Micronésia. O que foi exaltado por Foster.
“Eu escolhi um elenco de desenvolvimento composto por adolescentes, para o qual fui criticado, mas se os garotos não mostrassem o entusiasmo que mostraram com o esporte eu provavelmente teria arrumado as malas de volta para a Austrália”, contou. “Quando eu voltar, espero mais críticas das pessoas que dizem que a equipe envergonhou o país, mas espero que tenhamos dado os primeiros passos para, um dia, tornarmo-nos uma força na região”.
A Micronésia havia participado do futebol masculino apenas uma vez, em 2003, e saído com mais de 50 gols sofridos em quatro jogos. Vergonha para a federação nacional, que optou por não voltar mais. Até 2015.
Agora o saldo em campo foi pior. E como encorajar um time que, em 45 minutos de cada jogo, levou, respectivamente, 10, 17 e 24 gols? Foster é simples: “Dizendo-lhes: vá lá e faça seu melhor e vou ter orgulho de você”. O treinador revelou o papo com seus atletas. Algo como que, hoje, é sabido que o time não tem experiência nem habilidade o suficiente, mas com o tempo, “12, 16 anos, após mais algumas edições de Jogos do Pacífico, a história os verá com bons olhos”.
![]() |
Vanuatu v Micronésia |
O australiano ainda rejeitou os pedidos de desculpas que Taiti, Fiji e Vanuatu deram após os placares gigantescos. “Nunca mais façam isso. Isso é futebol, saldo de gols é importante. Nunca se desculpe. É bom porque estamos aqui para aprender, e você tem de jogar o seu jogo”. Os jogadores estão voltando para suas casas, suas famílias, suas aldeias. A despeito das humilhações em campo, voltam com a certeza de dever cumprido.
O saldo de gols foi pior em 2015 do que em 2003, mas os números não importam quando se trata de um desenvolvimento que, lentamente, pode transformar a cultura esportiva de um país.
Comente com o Facebook: