A seleção do Butão virou o grande saco de pancadas das eliminatórias asiáticas. Por aqui, no Brasil, virou piada. Sete jogos, sete derrotas, 48 gols sofridos, uma média de quase sete exatos por partida. Mas tente não ver apenas pelo lado engraçado. Esta seleção obteve vitórias para chegar à segunda fase da campanha para a Rússia 2018. É preciso destacar o trabalho feito para o desenvolvimento do esporte neste minúsculo país do sul da Ásia, “perdido” entre as montanhas do Himalaia.
Se falarmos em futebol por lá, provavelmente vamos lembrar a “outra final”, de 2002, um evento que reuniu as duas últimas seleções do ranking da FIFA para disputarem um amistoso no mesmo dia da decisão entre Brasil e Alemanha. Butão não fez feio: goleou Montserrat por 4 a 0 em Thimphu, sua capital.
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Estádio em Thimphu esteve sempre cheio nas eliminatórias |
Com suporte financeiro da FIFA, o Butão resolveu estrear em eliminatórias a menos de dois meses do começo da disputa. O adversário na fase prévia era o Sri Lanka e, para se ter uma ideia, nem os cingaleses respeitavam os butaneses. Em Colombo, para o jogo de ida, os jornais chamavam atenção para as declarações de um ex-capitão do time cingalês, que dizia “não valer a pena para o Sri Lanka jogar contra o pior time do mundo. O Sri Lanka não vai ganhar nada com isso, nem ritmo de jogo”. Declarações que serviram de motivação: “Só porque estávamos em último no ranking não significava que não podíamos jogar futebol”, diz Karma Tshering, capitão do time.
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Presidente da federação butanesa acredita no desenvolvimento do esporte no país |
O estádio Changlimithang, construído nos anos 1970 mais como um templo do que um campo, lotou para o jogo de volta - cerca de 25 mil pessoas. O governo havia declarado feriado de meio-dia para funcionários públicos e estudantes, e o estádio começou a lotar mesmo quatro horas antes do início de partida. Chencho Gyeltshen foi o herói, marcando os dois gols da vitória - ele é o único profissional no elenco, atuando na segunda divisão tailandesa.
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O cenário para o jogo de volta contra o Sri Lanka |
O presidente da Federação Butanesa de Futebol desenvolveu sua paixão por futebol na Índia, onde passou parte da infância. E é bem realista quanto ao atual momento do esporte em seu país: “É claro que vencer inspira as pessoas, as encoraja a jogar. Mas então você percebe que mal tem bolas de futebol, não há um campo adequado para jogar, não há bons treinadores para lhes ensinar... É nisso que temos de focar”, relata.
Os jogadores locais dividem suas ocupações diárias com pelo menos dois treinos semanais. Caso de Tshering, de 25 anos, do Thimphu City. Ele é piloto da Druk Air, a companhia aérea nacional e, depois de uma partida pela seleção, precisa voltar ao foco de manobrar um Airbus entre as montanhas do Himalaia. “Não temos uma mentalidade muito profissional, mas, graças às vitórias contra Sri Lanka, há um grande número de pessoas que vêm assistir e nos apoiar, e estamos tentando transformar o nosso futebol em profissão”, comenta Tshering. Quando criança, o meia gostaria de ser jogador de futebol e, em segundo lugar, piloto de avião. Garante ter, de uma forma ou de outra, realizado seus sonhos.
O campeonato nacional é disputado por seis clubes, mas nenhum deles poderia garantir uma carreira de sucesso para seus jogadores. Os rendimentos variam entre 200 e mil dólares por ano. Tshering mesmo joga apenas por amor, já que não é pago para isso. O calendário é extremamente enxuto: são apenas dez rodadas para definir o campeão.
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Cão em campo contra as Maldivas: alguém nas arquibancadas gritou para "colocar uma camisa laranja no cachorro" |
Curiosamente, o Butão vai encerrar sua participação nas eliminatórias com três técnicos. Chokey Nima, ex-jogador da seleção, começou a campanha vencendo o Sri Lanka. Porém, o japonês Norio Tsukitate assumiu o cargo para a fase de grupos, numa aposta de mais experiência internacional para os duros duelos que haveria pela frente. Mas não deu certo: Tsukitate entrou em conflito com jogadores e foi demitido. Veio então Pema Dorji, de apenas 30 anos, outro ex-jogador do time.
O BUTÃO PULSA! Gyeltshen, conhecido por lá como Chenchinho Gaúcho, faz o 2º. pic.twitter.com/OXXw7YQJpz
— Non Sense Football (@NSenseFootball) 8 outubro 2015
É com ele no comando que virá a despedida das eliminatórias, contra as Maldivas, fora de casa, em março - adversário que venceu por um suado 4 a 3 em Thimphu, com os três gols do Butão vindo nos cinco minutos finais do duelo (um deles acima). “Nós nunca desistimos. Pode estar dois, três ou quatro a zero. Nós sempre seguimos lutando”, destaca Tshedup. A equipe vai terminar com o pior desempenho desta fase na Ásia. O que importa? Com estádio sempre cheio e o olhos do mundo voltados para sua seleção, fica a esperança de que uma cultura esportiva comece a se desenvolver em meio à mais alta cadeia de montanhas do mundo.Fotos: Getty Images, BBC, Screamer.deadspin
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