Final da Copa do Mundo de 1970, com a maior seleção de todos os tempos fazendo a transição do antigo para o novo? A goleada da Hungria sobre a Inglaterra, em 1953, derrubando uma empáfia histórica? O amistoso entre as tropas que interrompeu a Primeira Guerra Mundial? O pontapé fundador, na Universidade de Cambridge, em 1848?
Subjetivamente, todos esses jogos poderiam ser considerados o mais importante da história. Porém, não há nenhum que supere em importância na quebra de paradigmas do que a final da FA Cup (a Copa da Inglaterra) de 1883, entre o Blackburn Olympic e o Old Etonians. A partida é considerada a abertura de portas ao profissionalismo no futebol.
Por uma década inteira, desde 1872, quando foi decidida pela primeira vez, a competição reunia clubes oriundos de universidades ou originários destas. O que era lógico, pois o jogo havia sido unificado apenas alguns anos antes e estava restrito ao Reino Unido.
Só que a expansão cultural do futebol a outros países e a atração de olhares de investidores (sim, empresários e agentes já surgiam nessa época) modificava, a cada ano, a estrutura do esporte. Saíam de cena os mecenas e filantropos que doavam dinheiro às instituições de ensino, entravam os mercadores e comerciantes que já viam nos jogadores uma mão-de-obra.
Naquela FA Cup, 84 clubes disputaram o torneio, sendo que cinco nunca haviam disputado uma partida oficial, confirmando a expansão temporada após temporada da federação. Entre as que ainda existem, é possível citar o Aston Villa, o Notts County, o Bolton Wanderers e o Sheffield Wednesday entre os principais. Mas a final reservou um encontro especial e simbólico para todos.
![]() |
Time do Blackburn Olympic de 1882 |
De outro, o Blackburn Olympic, time criado apenas cinco anos antes por trabalhadores da classe média de Blackburn, Lancashire (onde encontraram quatro mil buracos, segundo “A Day In The Life”, dos Beatles). Disputava somente sua terceira edição. Nas duas anteriores, havia sido eliminado na primeira fase. Contudo, tinha algo que os outros não tinham: investimento.
Um industrial local chamado Sydney Yates, proprietário de uma fundição de ferro, investiu grandes quantias de dinheiro no clube durante toda sua existência. Os atletas atuavam, claro, com uma motivação diferente da dos outros jogadores. Tanto que, na fase de classificação, apenas uma vitória não foi por goleada. Já o Old Etonians, do outro lado, precisou até mesmo de replay para chegar à decisão.
![]() |
Gravuras de 1883 representando a decisão |
Harry Goodhart abriu o placar para o Etonian, no primeiro tempo, confirmando a eficácia da estratégia de bloqueios violentos e corridas (lembra-se que, naquele momento, o association e o rugby não eram tão distintos ainda). A tática do Olympic, no entanto, era outra: a troca de passes e a marcação pressão. E ela surtiu efeito no começo do segundo tempo, quando Arthur Matthews empatou. O jogo precisou ser decidido na prorrogação.
Com os Etonians cansados e despreparados fisicamente, Jimmy Costley virou o placar, logo aos três minutos de tempo extra, deixando o Olympic apenas com o trabalho de administrar a vantagem até o apito final.
Um título contestado pelo Etonians (que reclamou da preparação do Olympic), pela imprensa (que culpou a desvirtuação tática do clube) e pelos torcedores (que questionaram o patrocínio e o incentivo financeiro no lugar do bom e velho “amor à camisa”).
![]() |
O contemporâneo Old Etonian |
O Old Etonians ainda existe como clube amador. Os “light blues”, os primeiros profissionais da história, são história. A herança daquela tarde londrina, o profissionalismo, foi legalizado em 1885, e, desde então, o futebol pode se considerar popular.
Comente com o Facebook: