Uma viagem pelo leste do futebol europeu - parte 2




O nosso leitor Raúl Pereira Chiaradia segue nos contando sobre a viagem dele e do irmão ao leste europeu. Depois da primeira parada na República Tcheca, conhecendo os clubes de Praga e Pilsen, o destino agora é a Turquia. Conta Raul!

Nosso plano inicial de viagem nunca incluiu a Turquia, mas o país seria rota de parada entre a República Tcheca e o Kosovo, nosso destino seguinte, devido à companhia aérea Turkish ser sediada no país. Procuramos alguns voos que fossem o mais rápido possível pros Bálcãs - tínhamos conseguido um que chegaria no mesmo dia que saímos de Praga. Porém, alguns meses depois recebi a informação que o mesmo fora cancelado, e que o avião que embarcaríamos pro Kosovo sairia só na manhã seguinte. 

Não tínhamos reservado hotel, hostel ou qualquer moradia em Istambul, pois não fazia parte do roteiro, então, assim que desembarcamos na capital turca, fomos direto ao guichê da Turkish Airlines cobrar uma posição quanto a um lugar para pernoitarmos, pelo menos. Resolvido isso, celular na mão, algumas perguntas para os turcos que ali estavam... E descobrimos que o estádio do Kasımpaşa ficava muito próximo do local onde estávamos. Não tivemos dúvidas? fomos a pé até o Recep Tayyip Erdoğan Stadium. 

Paşa Store, a loja do Kasımpaşa

Entre o som das mesquitas e uma vista privilegiada da cidade chegamos ao simpático, porém belo, estádio. Ele se encontrava fechado - naquele momento o Kasımpaşa ia vencendo o Rizespor fora de casa pelo Campeonato Turco, mas a rua acima do estádio te dá uma visão que nem precisa de ingressos para assistir as partidas do time em casa. Após muitas fotos e algum tempo ali acima do estádio, passamos na lojinha do clube, que fica bem ali ao lado do estacionamento de onde tiramos as fotos. Lá só havia o vendedor, que assistia ao jogo da equipe. Compramos a camisa do clube e voltamos em direção ao metrô, pois cerca de duas horas depois ia ter o jogo do Beşiktaş contra o Bursaspor na Vodafone Arena.

Praça da bela Vodafone Arena
A distância entre os dois estádios não era muito grande, mas não tínhamos ingressos e também nunca estivemos em Istambul anteriormente, então teríamos que sair com muita antecedência se quiséssemos alguma coisa. No metrô a caminho da região de Beşiktaş fomos encontrando e conversando com vários torcedores do alvinegro local, atual campeão turco, todos orgulhosos da sua nova arena (que recentemente foi considerado o melhor estádio do mundo construído em 2016). 

Porém, unânimes de que dificilmente encontraríamos ingressos disponíveis para o jogo, pois a venda é realizada com antecedência nos carnês de temporada, como todo time de elite na Europa faz, ainda mais tratando-se de um dos 3 maiores da Turquia. Não desanimamos e fomos mesmo assim com o pensamento: “Se não der pra ver o jogo, a gente pelo menos conheceu a Arena por fora e o clima do jogo também, já vai ser bem bacana”.
Os malucos da torcida turca
Chegando no entorno do estádio, um clima sensacional, como o que antecede partidas de grandes clubes em qualquer lugar do mundo, mas era um dos maiores da Turquia e por tudo que conhecemos do fanatismo dos turcos relacionado ao futebol, logo colocamos na cabeça que íamos fazer de tudo pra entrar no jogo. Faltavam pouco mais de 40 minutos para o início da partida, e formavam-se filas enormes nas bilheterias, mas logo pedimos informações para dois torcedores e eles nos disseram que ali era apenas para os sócios retirarem os ingressos do jogo; esses dois torcedores, aliás, que ficamos conversando por muito tempo ali na fila, nos contando histórias dos jogos, da rivalidade dos times até que revelaram um segredo: dos dois ali, um era torcedor do Galatasaray, mas estava acompanhando o amigo do Beşiktaş.

Eram duas figuras, já estavam bem “alegres” antes do jogo e falaram que nos levariam em todos lugares possíveis pra gente entrar no jogo. Eles pegaram seus ingressos e começaram a andar com a gente, nos levando num lugar que poderia estar vendendo ingressos na hora no estádio, e até havia, se tivéssemos chegado pouco antes, mas ainda assim a um preço exorbitante. 

A partida já ia começar, eles lamentaram não conseguir ajudar a gente e entraram, ficamos ali naquela espécie de bilheteria observando a movimentação do pessoal, e como em todo lugar do mundo, um cambista percebeu nossa procura por ingresso e veio oferecer seu produto; ele não tinha o ingresso físico, mas tinha uma carteirinha de sócio e um acordo com o pessoal da catraca (menos com a polícia, que ainda assim, fazia vista grossa em muitos casos ali). Negociamos um preço que conseguiríamos pagar ali, mesmo que fora do orçamento inicial, mas como estávamos na frente do estádio, jogo começando, e a oportunidade de conhecer essa atmosfera, decidimos arriscar.

Era um grupo de cambistas, e dois deles ficaram encarregados de nos colocar dentro do estádio (combinamos que ele levaria o Hugo primeiro, voltava, pegava o dinheiro comigo e me colocava dentro do estádio também). Ele passou pela catraca colocando o cartão de sócio e levou o Hugo até a arquibancada atrás de um dos gols e voltou. Pegou o dinheiro comigo e me pediu pra esperar porque a polícia estava de olho neles ali, ou seja, meu irmão lá dentro, eu do lado de fora sem saber uma palavra em turco, ele ligando e mandando mensagem para muita gente daquele celular “tijolão”, e ficava aquele clima de suspense, porque ele não sabia falar inglês e eu questionando, a gente falando pelo google tradutor e nada dele me colocar pra dentro. 

Isso se passaram quase 15 minutos e eu, sem saber onde estava meu irmão dentro do estádio também, já ficava mais que apreensivo ali. Até que ele me chamou, talvez num cochilo da polícia, nunca vou saber isso, e foi comigo somente até a catraca, me deu o cartão e pediu pra passar, o alivio só veio mesmo quando o ingresso foi aceito na catraca e pude ver meu irmão lá no fundo me esperando. Foi tenso, mas estávamos dentro do estádio e com o jogo já em andamento. 


No fim do jogo, subimos o alambrado para saudar os jogadores do Besiktas

O maior problema lá dentro foi que não tínhamos ingresso, então não tínhamos um lugar marcado, e acabamos ficando em um daqueles corredores de acesso, com o pessoal da organização sempre pedindo pra gente não atrapalhar a passagem, mas logo vimos que não estávamos sozinho nessa, tinha várias pessoas assim ali. A arquibancada atrás do gol e onde fica parte dos torcedores comuns tem um alambrado que se pode subir durante o jogo e ninguém assiste o jogo sentado.

O jogo foi bem pegado, acabou o primeiro tempo 0 a 0, mas a torcida não parou de cantar um minuto sequer; não demorou quase nada pra gente perceber onde estava e o tipo de torcida que nos rodeava. Como ficamos em uma arquibancada mais “popular”, o pessoal ali parecia ser o mais vibrante do estádio, ao lado da torcida organizada que estava em um setor superior do nosso lado. 


Demos um azar nesse jogo porque eu gostaria muito de ter visto o Ricardo Quaresma e o Talisca jogarem - o primeiro estava suspenso e o segundo machucado. Voltando ao jogo, o segundo tempo começou com o Besiktas atacando muito e impondo seu ritmo, e não demorou para Cenk Tosun fazer dois gols e praticamente selar a vitória. Com o resultado em mãos, o time da casa foi encolhendo e o Bursaspor foi tomando as ações do jogo, chegando a diminuir nos acréscimos e quase empatar no último lance. 

Mas não deu tempo, e ali estávamos como dois torcedores do Besiktas, cantando sem entender nada, fazendo as coreografias, falando todas palavras “educadas” pra torcida adversária e fazendo até o “The Poznan” (eu não imaginava que eles iam fazer, mas confesso que era um sonho nosso poder participar dessa corrente de costas em algum jogo, inesquecível!).

Depois do fim do jogo, erramos o caminho na primeira vez que tentamos ir na direção da estação de metrô mais próxima, um policial logo nos corrigiu e pegamos o caminho certo. Andamos, andamos, andamos e a estação não chegava, isso já batia mais de uma hora e meia do fim do jogo e achamos que estávamos perdidos ali. O Hugo sugeriu pra gente voltar até o estádio e perguntar pros policiais novamente onde era exatamente a estação, porem havia uma lanchonete logo à frente e e ali nos orientamos.
 
Já no hotel, recebo uma mensagem de um amigo pelo Facebook perguntando se estávamos bem, se não tinha acontecido nada com a gente, porque tinha acabado de ver que eu tinha postado um foto no estádio e tinha acontecido aquilo. Perguntei: “aquilo o quê?”, e ele disse: “o atentado terrorista”. Na mesma hora ligamos a TV e praticamente todos canais estavam ao vivo na frente do estádio noticiando o atentado ocorrido cerca de duas horas depois do jogo.

Local do atentado terrorista, a fachada da Vodafone foi onde tiramos nossa última foto
Ficamos sem reação, eu só conseguia pensar que se voltássemos pra perguntar pros policiais aquela hora sobre o metrô, provavelmente não estaríamos aqui pra contar esse relato. Ficamos em choque na hora e tentamos disfarçar de qualquer jeito dos nossos familiares, mas foi inevitável, pois aquilo foi de repercussão mundial e não tinha como esconder. Dormir aquela noite foi difícil, pois eu tinha na cabeça que a qualquer momento poderia ter um atentado ali no hotel, ou no aeroporto pela manhã. A única coisa que queríamos naquele momento era seguir viagem e ficar com as lembranças boas, e rápidas, de Istambul.

Imagens: reprodução
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