*Por Bruno Cassali
Edinburgh não
tinha futebol no domingo. Na capital escocesa, a função esportiva girava em
torno de Escócia x França pelo Six Nations de Rugby, onde uma vitória dos
locais daria o título da competição para os eternos rivais ingleses. Como em
quase todo confronto de rugby, era de se esperar uma invasão francesa na
capital, que iria colorir as ruas de azul, chapéus de pierrot e colombina e
bandeiras tricolores em azul, branco e vermelho.
Mas Edinburgh
relutou em amanhecer francesa. Pontos de ônibus e a estação de trem Haymarket
tinham uma predominância verde em cachecóis, casacos e algumas corajosas
camisas de... Futebol. Domingo era dia de final, dia de viajar os 75
quilômetros que separam a capital de Glasgow, onde, no lendário Hampden Park, a
final da Copa da Liga Escocesa seria decidida entre o tradicional Hibernian e a
surpresa Ross County.
Em todos os
caminhos que levavam ao estádio, abundância de vestimentas verdes. Um cenário
quase familiar para os Glaswegians, já que a cidade também tem seu time verde e
branco para torcer. Mas, dessa vez, o Celtic havia sido eliminado nas
semifinais por um novato abusado.
Vindo da
pequena Dingwall, ao norte das Highlands, o Ross County faz parte da Liga
Escocesa há apenas 22 anos. Na temporada 1994-95, os Staggies foram escolhidos
ao lado dos rivais de Inverness para fazer parte da SPFL, em votação dos
membros integrantes da Liga. “Nós somos um clube de comunidade. Isso nos faz
diferente dos outros e inspira outros clubes assim, tenho certeza”, disse o
centroavante Alex Schalk. Você ainda vai ler mais esse nome...
A rivalidade
originada na liga regional do norte escocês fez Inverness e Ross County
crescerem juntos. Ambos escalaram as divisões inferiores com rapidez e chegaram
à elite nacional em menos de duas décadas. No ano passado, o ICT surpreendeu o
país no mesmo Hampden Park, eliminando o Celtic nas semifinais e batendo o
Falkirk na decisão da Copa da Escócia. O feito do rival era o fator de inspiração,
objetivo a repetir traçado pelos Potros, os Staggies.
Nos arredores
do estádio, pontos em azul escuro caminhavam em meio à multidão vestida de
verde e branco. Nos 16 módulos internos de arquibancadas do estádio nacional
era mais fácil entender a proporção de Hibees e Staggies: enquanto os dois
módulos à esquerda da imprensa eram destinados aos torcedores do Ross County,
todos os outros lugares eram ocupados pela torcida do Hibernian.
A partida não
tinha o peso que teria caso Celtic ou Rangers, os gigantes locais, estivessem
dentro das quatro linhas. Entretanto, o visual dava a clara dimensão histórica
dos envolvidos. O Hibs era o grande, clube de torcida numerosa, que iria tomar
conta das ações como se jogasse em Easter Road, sua casa em Edinburgh – mesmo
sendo um time de Segunda Divisão contra um da elite.
Em campo, o
placar de 1-1 levava a crer que o confronto iria para a prorrogação. Alan
Stubbs, técnico do Hibernian, guardava suas duas substituições restantes pros
minutos finais, enquanto Jim McIntyre circulava preocupado no banco do Ross
County: as três trocas nos Staggies já haviam sido processadas e o camisa #23
Alex Schalk sentia câimbras dois minutos antes do final do tempo
regulamentar...
Festa da galera!! pic.twitter.com/d0u2g6g92Q— Bruno Cassali (@brunocassali) 13 de março de 2016
“Eu estava
morto em campo. Não tinha quase forças pra seguir correndo”, disse Schalk. Foi
aí que Bartley e Gray perderam a dividida para Irvine no meio-campo e o Ross
County partiu em contra-ataque. Gardyne avançou pela esquerda, Darren McGregor
calculou mal a cobertura e deixou o meia avançar em liberdade até a entrada da
área, de onde partiu o cruzamento. Na tentativa de cortar, o canhoto Fontaine
bate de canela na bola, enganando o goleiro Oxley. Faltava um pé pra empurrar
pro gol. E ali apareceu Alex Schalk.
Celebração.
Choro. Incredulidade. Aos 90min de jogo, o pequeno clube das Highlands fazia
história. Fazia 2-1 na final. Fazia a festa em Hampden, em Dingwall, na
Escócia. Não havia meios de não simpatizar com o roteiro escrito pelos
Staggies.
“A vitória é
desse grupo de jogadores”, disse McIntyre após a partida. “Nós marcamos mais de
um gol em todos os jogos dessa competição. Falei pra eles que também era possível
na final”, afirmou o treinador, assumindo que correu riscos ao escalar o time
num esquema com três zagueiros pela primeira vez na temporada. “Nós
precisávamos explorar os pontos fracos deles na defesa, por isso demos a bola
pra eles jogarem e apostamos na velocidade de Gardyne e Irvine”, finalizou o
técnico campeão.
Jogadores celebram com a torcida aqui no estádio!! pic.twitter.com/6FpdcTw1O4— Bruno Cassali (@brunocassali) 13 de março de 2016
A vitória do
Ross County causa um fato curioso: no momento, os dois títulos de Copas
Escocesas são de posse dos times do norte do país. O Inverness é o detentor da
Copa da Escócia, que está nas quartas-de-final – e o ICT enfrentará o Hibs por
uma vaga nas semifinais. “É quase inimaginável que dois clubes com 20 e poucos
anos de história detenham títulos dessa magnitude. Inverness e Ross County são
motivo de orgulho para as Highlands”, afirmou McIntyre.
Você
certamente lembra da sua primeira bicicleta, seu primeiro dia de aula, primeiro
carro ou namorada. Mas em termos de futebol, um esporte de entidades
centenárias que disputam competições tradicionais e também bastante antigas, é
bastante raro hoje em dia acompanhar a primeira glória, a primeira taça
conquistada por um clube. Nesse domingo, o Ross County foi campeão de uma
competição oficial da SPFL pela primeira vez. E isso estará marcado na história
dos Staggies pra sempre.
* Bruno Cassali (@brunocassali) é
Jornalista desde 2008, trabalhou na imprensa esportiva gaúcha até 2014 e vive
em Edinburgh, capital da Escócia, desde Janeiro de 2015.
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