Por @brunocassali
Decidir copas nacionais e demais play-offs em jogo único é uma das tradições em todo Reino Unido. É assim na Inglaterra, que usa Wembley como palco das decisões na temporada, e é assim também na Escócia, que disputa semifinais e finais das duas copas nacionais no Hampden Park – estádio que o Queen’s Park (atualmente na quarta divisão) chama de casa juntamente com a seleção escocesa.
Em campo neutro no sul de Glasgow, os rivais Celtic e Rangers mostraram porque dividem a cidade ao dividir o estádio em azul e verde. Entretanto, o “clima de guerra” do clássico de outras décadas parece ter ficado para trás. Excetuando o fato de terem sinalizadores nas duas torcidas e o som de algumas poucas bombas de efeito moral, o clima entre os rivais Glaswegians foi bastante tranquilo.
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O Old Firm é uma rivalidade secular, baseada não somente nos aspectos de dentro das quatro linhas. Formado por descendentes de irlandeses, o Celtic tem princípios católicos em sua fundação, além de dar mais valor aos aspectos da Escócia como país. Do outro lado, ser Rangers é “pertencer à história de Glasgow”, como diz a faixa que a torcida abriu nas arquibancadas minutos antes do jogo começar. Além disso, a torcida azul tremula bandeiras do Reino Unido durante os jogos, comprando a ideia de Nações Unidas sob o comando da Rainha Elisabeth.
Na divisória das arquibancadas de Hampden, apenas dez cadeiras separavam as duas torcidas. Nelas, se via duas fileiras de fiscais a cuidar dos comportamentos alheios. Entretanto, nada de anormal ocorreu durante os 120 minutos mais pênaltis do Old Firm. As provocações ficaram apenas no âmbito verbal, ultrapassando em nenhum momento o clima de velhos e respeitosos rivais.
Numa provocação inteligente, os torcedores do Celtic gritaram mais de uma vez durante o jogo “You’re not Rangers, you’re not Rangers, you’re not Rangers anymore!” – Vocês não são o Rangers nunca mais –, levando em conta o fato do rival ter sido fundado novamente em 2012 após o processo de falência e ser obrigado a recomeçar da quarta e última divisão profissional no país. “Não é a volta do rival, é a primeira vez que vamos jogar contra o The Rangers”, gargalhou um torcedor ao zombar do nome com o qual o Gers voltou à ativa após a falência.
Mas assim como sua trajetória nas ligas inferiores, o Rangers ressurgiu com vigor e vontade de recriar sua vitoriosa história. Três acessos em quatro anos deram ao clube o direito de voltar ao convívio dos grandes. No entanto, Mark Warburton já dá mostras em campo que seu time é capaz de disputar no top-6 já na próxima temporada.
O 1-1 no tempo normal, gols de Kenny Miller e Erik Sviatchenko, teve dois tempos distintos, mas com um domínio avassalador dos azuis na primeira etapa. Outro 1-1, na prorrogação, fez os times irem pra disputas de pênalti. Barri McKay, autor de um golaço no tempo extra, contou com a sorte nas cobranças da marca da cal: Craig Gordon raspou na bola, mas não com força suficiente pra impedir o gol do camisa #19 do Rangers.
Já o meia do Celtic Tom Rogic viveu momentos de heroi e de vilão espaçados em menos de 20min. No primeiro lance do segundo tempo da prorrogação, o australiano completou de primeira a bela jogada de Kieran Tierney pra empatar o Old Firm. Nas cobranças alternadas de pênaltis, foi ele quem bateu com o tornozelo na bola, mandando a redonda para os ares e dando a vaga na final da Copa da Escócia para o Rangers.
— Bruno Cassali (@brunocassali) 17 de abril de 2016
A prévia da final da Copa da Escócia é neste meio de semana, em Easter Road. O Hibernian (que bateu o Dundee United no sábado, também nos pênaltis) recebe o Rangers pela Championship, a segunda divisão local – competição já vencida na temporada pelos azuis de Glasgow. A decisão do dia 21 de maio vale uma vaga na Europa League para os times da segunda divisão. “Chegar de volta à elite já com uma vaga europeia é um sonho, mas teremos 21 dias após o término da Championship para pensar nisso”, disse Warburton.
O equilíbrio em terras escocesas parece estar voltando aos poucos. Prova disso é que a final da Copa da Escócia não terá times da Primeira Divisão pela primeira vez na história – e ninguém pode dizer que Rangers e Hibernian chegaram lá por acaso. Será a chance dos Light Blues pontuarem seu retorno com uma taça nacional. Ou os verdes da capital voltarão a vencer o torneio após 114 anos (!?). Como disse uma torcedora do Rangers após o jogo de sábado: “Nós estamos voltando ao lugar de onde pertencemos”.
* Bruno Cassali é jornalista desde 2008, trabalhou na imprensa esportiva gaúcha até 2014 e vive em Edinburgh, capital da Escócia, desde janeiro de 2015.
Fotos: Bruno Cassali
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