Eles fizeram leilão para pagar o hotel e sonham com o título mundial


É bem possível que você já tenha sonhado com isso: a fila para entrar em campo, a entrada ao gramado, os times perfilados, o hino nacional, a foto oficial, o pontapé inicial... Poucos são os que conseguem realizar o desejo de jogar uma Copa do Mundo. Um sonho que não tem preço. Ou melhor... Até tem, se você estiver falando da Copa do Mundo da CONIFA, a organização para regiões não-reconhecidas pela FIFA.



O torneio reuniu 16 “nações” que não possuem seleções filiadas à entidade máxima do futebol, e acabou com título da Transcarpátia, no sábado passado, em cima do Chipre do Norte. A disputa rolou na Inglaterra e apenas um representante africano esteve em campo.



Antes de prosseguir o texto, é preciso contextualizar de quem estamos falando. Matabeleland é uma região dividida em duas províncias, a do norte e a do sul, no Zimbábue, sul da África. Pela primeira vez, a equipe disputou o Mundial da CONIFA. O dinheiro para custear a participação veio de vários lugares. “Cerca de 30 mil dólares (R$ 111 mil) foram arrecadados entre amigos e pessoas que amam o time”, revelou o técnico dos matabele, Justin Walley, 47 anos.

Thabiso Nollella fez o gol no 1 a 0 sobre Tamil Eelam e foi festejado assim

Só que o valor acabou sendo pequeno na hora que a delegação viu o quanto devia ao hotel em que ficou hospedada. Então, o jeito foi usar a cabeça. E eles acharam um modo bem criativo de arranjar uma graninha extra.



Matabeleland enfrentaria a Ilha de Man em um dos duelos para definir as posições entre nono e 16º lugares. Só que Man desistiu, então a equipe africana nem precisaria jogar para obter a vitória. A organização do torneio, porém, convidou o Arquipélago de Chagos para fazer um amistoso com os matabele, e assim faze-los poder jogar uma partidinha. Amistosa, mas que valia muito em termos financeiros.



Walley teve uma ideia para conseguir pagar a hospedagem: leiloar um lugar no time para quem conseguisse pagar por isso. Assim, o vencedor, Sam Bodner, atuou por cerca de 30 minutos após pagar um total de R$ 1 mil. O segundo colocado no leilão, Ross, também entrou em campo por uns minutinhos. Todo o dinheiro serviu para acabar com as dívidas.



O técnico sonhava fazer parte de um projeto futebolístico de maneira mais direta. Matabeleland veio a calhar para realizar o desejo. “Eu era o diretor da CONIFA no continente africano e fiquei sabendo da vaga (de treinador). Eu queria desempenhar um papel no desenvolvimento do futebol em algum lugar do mundo”, conta.

O sessentão Grobbelaar em ação contra Chagos

Quem lhe ajudou na missão de angariar e preparar jogadores para a dura missão de disputar o Mundial foi Bruce Grobbelaar. O nome não é estranho se você acompanha com afinco futebol europeu e tem mais de 30 anos, certo? O hoje sessentão atuou 13 temporadas no gol do Liverpool, e pelos Reds levantou seis campeonatos ingleses, três Copas da Inglaterra e uma Copa dos Campeões da Europa, entre outras taças, nos anos 1980 - além de estar em campo na derrota para o Flamengo, no Mundial de 1981.



Grobbelaar estava inicialmente recrutado como preparador de goleiros, mas o amistoso com Chagos lhe proporcionou entrar em campo. E quem disse que ele foi mal? Nada: não levou gols nos 25 minutos que jogou. O (ex?) goleiro é matabele e iniciou a carreira no Matabeleland Highlanders, de Bulawayo, a segunda maior cidade do Zimbábue.

Antes preparador de goleiros, Grobbelaar jogou uma partida e ficou no banco em outra

Aos 60 anos, o veterano mostrou entusiasmo de garoto em campo. E experiência fora dele. “Sem ele, não teríamos conseguido os vistos, e ele também ajudou em uma série de outras coisas, como as chuteiras da New Balance. Nunca iremos esquecer de vê-lo cantando e dançando com todos os jogadores no túnel antes do jogo”, recorda o treinador.



Em termos de resultado, claro, para uma estreia a previsão era de dificuldades. Os matabele perderam de goleada seus dois primeiros jogos, ante Padania e Székely, mas depois encaixaram e não perderam mais. Finalizaram a fase de grupos com um bom 3 a 1 em Tuvalu, com dois gols de Shylock Ndlovu.



Depois, 0 a 0 com a Cabília (e derrota nos pênaltis), 1 a 0 em cima de Chagos e 1 a 0 sobre Tamil Eelam, na despedida do torneio. Matabeleland encerrou em um digno 13º posto e sem levar gols nos dois jogos finais, motivo para celebração. “Bruce se manteve invicto. Brilhante! Mas nós estamos invictos há cerca de quatro horas atualmente, e usamos quatro goleiros neste período”, destaca um orgulhoso Walley.



Para as próximas edições da CONIFA, o treinador espera um desempenho melhor. Com mais força, melhor preparação física e mental e mais experientes, Walley é otimista: “Acredito que a Matabeleland chegue à Copa do Mundo em 2020 como um seríssimo candidato ao título”. A próxima Copa da CONIFA ainda não tem sede definida. Mas já tem gente sonhando alto.

Imagens: divulgação/CONIFA
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