Uma questão de liberdade: a participação do Tibete no “Mundial dos rejeitados”



Boa jogada pelo setor esquerdo de ataque. Bola cruzada na área. O camisa 11 se antecipa à marcação, joga-se na bola, tira do goleiro. Gol. Explosão nas bancadas. Vibração enorme no estádio. Poderia ser a descrição de um sonho de qualquer jogador de futebol, mas assim aconteceu com o Tibete no seu primeiro gol na Copa do Mundo da CONIFA, organização que reúne regiões e nações não-reconhecidas pela FIFA.

Os tibetanos participam pela primeira vez do torneio, graças a um convite da organização. Poucas vezes um simples “participar” foi tão importante para uma nação. Dentro de campo, pouco a celebrar. O gol citado no começo deste texto foi apenas um dos dois marcados pela equipe asiática, que saiu da primeira fase com três derrotas em três jogos, e tem tudo para terminar na última posição - entre os que jogarão até o fim, já que a Ilha de Man desistiu após a fase de grupos.


Antes de viajar para a Inglaterra, palco do Mundial, os 25 convocados tibetanos receberam a “benção” de Dalai Lama, líder religioso do budismo tibetano que pediu que os atletas mostrassem “compaixão, defendessem a honra e a dignidade do povo do Tibete”.

Falar do futebol no Tibete sem liga-lo à situação política com a China é praticamente impossível. Os chineses garantem que o Tibete é uma região administrativa sua. Os tibetanos, por sua vez, querem a independência – ou, no mínimo, mais autonomia. 


Jogadores tibetanos fizeram período de treinos na Índia antes do Mundial
O resultado disso tudo é que, para o Mundial da CONIFA, nenhum dos jogadores atua, de fato, no Tibete. Eles jamais poderiam voltar para lá caso viajassem para a Inglaterra, conta o técnico do time, Passang Dorjee. "Por causa da situação política, não havia nenhuma esperança de que os tibetanos pudessem sair do Tibete para jogar nesse tipo de coisa. Os chineses são muito rigorosos sobre quem entra e quem sai", explica.

Todos os atletas são amadores. Alguns sequer estão ligados a algum clube de futebol. O restante atua em regiões periféricas ao Tibete. Mas, apesar de todos os problemas, há uma liga local, ou melhor, uma copa local. O atual campeão, decidido no mês passado, é o DYSA Mundgod. 

Festa do DYSA Mundgod, campeão de Copa nacional do Tibet
“Quando ouvimos nosso hino nacional e podemos ver nossas bandeiras em campo, percebemos que já conseguimos muito. Vencer ou perder não é importante. Estamos aqui, nós, os tibetanos, e podemos jogar futebol e mostrar que temos igualdade”, comenta o treinador da seleção.

O imbróglio com a China teve impacto até mesmo para a organização da CONIFA. Literalmente, uma briga para a participação do Tibete foi comprada. A pedido chinês, alguns patrocinadores retiraram seu apoio ao torneio, dificultando a logística para que a disputa ocorresse. Segundo organizadores, “há um medo de patrocinar um evento como este e ofender a China”.


Apesar dos problemas, apesar de não ter um campeonato propriamente dito, apesar de não ter jogadores profissionais... O Tibete está lá. Perdeu todos os jogos disputados, até mesmo para um selecionado de atletas turcos de Londres encontrado de última hora para desafiá-los após a desistência da Ilha de Man. Mas não é uma questão de futebol. “É uma questão de liberdade”, resume Thupen Yarphel, diretor da Escola Dalai Lama.
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